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Cidades do Passado: São João Marcos e a Primeira Estrada de Rodagem do Brasil

Criada em 1733, São João Marcos atingiu o auge da prosperidade no século seguinte, com a expansão da cultura cafeeira fluminense. O padrão de vida elevado e os recursos investidos em educação, cultura e bem-estar justificavam a adoção do termo "barão" para designar os refinados latifundiários fluminenses, em oposição aos "coronéis", como eram chamados os fazendeiros do resto do País (poderosos porém truculentos, sem polimento social).


Um dos primeiros ônibus da Viação Nossa Senhora Aparecida, fundada por Reynato Frazão de Souza Breves, Humberto de Souza Breves e Antonio Pereira de Souza - Foto: Memórias de Piraí

Formada a partir da abertura da estrada entre o Rio de Janeiro e São Paulo, ainda no governo de Luís Vaía Monteiro, com a instalação de lavouras e comércios de passagem, foi fundada em 1739 por João Machado Pereira, que em suas terras criou uma capela dedicada a São João Marcos.


São João Marcos do Príncipe em 1927 - Foto: Reprodução da internet

Conheceu o apogeu quando da chegada da cultura do café, que fez a cidade atingir seu ápice no século XIX, quando chegou a ter mais de 14 mil habitantes, com sua principal vila tendo dez ruas e dez travessas, onde havia um teatro, um hospital, dois clubes, um posto dos correios e duas escolas. Até o século XIX teve o nome de São João Marcos do Príncipe e o município era constituído das paróquias de São João Marcos (sede da Vila) e Nossa Senhora da Conceição de Passa Três.



No final do século XVIII e início do século XIX, a lavoura de café começava a se expandir por toda região de serra acima com destaque para produção de São João Marcos e de Resende. Com desenvolvimento da economia cafeeira em São João Marcos, Piraí, Barra Mansa e demais localidades da região do “médio-Paraíba”, Mangaratiba, assim como outros portos angrenses, ganhou um crescente movimento portuário, disputando com os portos de Itaguaí.

Em 5 de julho de 1818, Itaguaí conquistou sua emancipação política, anexando ao seu território a freguesia de Mangaratiba, com exceção das terras que hoje compreendem Conceição de Jacareí (que continuou pertencente a Angra dos Reis) e Serra do Piloto (que continuou pertencente a São João Marcos).

Durante esse período, Joaquim José de Souza Breves (o comendador Breves) que se destacou como o “Rei do Café” e como o maior escravocrata do país, construiu um trapiche (armazém de estocagem dentro do porto de escoamento) no centro de Mangaratiba para escoar sua produção cafeicultora. Por volta de 1830, Breves estabeleceu outros armazéns no Saco de Mangaratiba, e juntamente com amigos cafeicultores da região de serra acima, transferiu para essa área a grande movimentação portuária do município.


Arte de Miguel Arthuro sobre a Vila de Nossa Senhora da Guia. Mangaratiba conquistou a categoria de “Vila” em 1831

Esse porto, em meados do século XIX, chegou a se destacar como um dos maiores portos do Brasil. Além dos armazéns de café, de diversas lojas comerciais, casa de bilhar, tanoaria, pensões, cocheiras, havia um teatro, onde se apresentou o grande artista da época: João Caetano. Nesse local, também aconteciam os abomináveis leilões de escravos.

Diversas epidemias de malária dizimaram parte considerável da população local após o declínio da lavoura cafeeira e, juntamente com a instalação, no início do século XX, das usinas hidrelétricas de Fontes, e com a formação do lago da Represa de Ribeirão das Lajes, pertencente à companhia canadense The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power, contribuíram para sua decadência. Em 1943, a população restante foi deslocada para municípios vizinhos como Rio Claro (que era seu distrito), Mangaratiba, Itaguaí e Piraí, sendo que as águas da represa nunca cobriram a maior parte da antiga cidade.


Planta de São João Marcos e arredores - Departamento de Patrimônio da Light, 1913

Foi tombada em 1939 e destombada em 1940, por decreto de Getúlio Vargas, que desapropriou as terras da cidade. A matriz foi o último prédio da cidade, haja vista ninguém querer fazer a explosão, pois a população acreditava que destruir uma igreja seria um pecado, ao que um comerciante teria se habilitado a fazer a explosão, sendo utilizados vinte quilos de dinamite.


A cidade antes da inundação - Foto: Reprodução da internet
Nos idos de 1700, o desbravamento pelos bandeirantes da região do Vale do Rio Paraíba compreendida entre Resende (antiga "Campo Alegre de Paraíba Nova") até a cidade de Paraíba do Sul possibilitou a construção de uma estrada real para que os paulistas pudessem enviar, com segurança, os quintos do ouro para o Rio de Janeiro. Este caminho serviu de esboço para a atual rodovia Presidente Dutra (Rio-S. Paulo) e foi o principal acesso, no século seguinte, para as centenas de fazendas que transformaram o sudoeste fluminense numa das regiões mais ricas não apenas do Brasil, mas do mundo.


A Praça Central em 1930 e as ruínas de hoje - Foto: Reprodução da internet
São João Marcos era um dos principais núcleos produtivos - 2 milhões de arrobas de café por ano - e estava numa posição geográfica privilegiada:


  • No centro da área produtora;
  • Na confluência de grandes rios;
  • Próximo à capital (Corte);
  • Com ligação direta com o mar via Mangaratiba 

Terra natal do Prefeito Pereira Passos e do ministro e acadêmico da ABL Ataulfo de Paiva, São João Marcos viveu intensamente o brilho da era dos barões do café, no século XIX: foi uma das mais importantes cidades, com 20.000 habitantes, teatros, escolas públicas e fábricas. Artistas de óperas e músicos conhecidos eram trazidos do exterior para se apresentarem nos diversos teatros da sociedade local (as ruínas de um deles existem até hoje, à beira da rodovia Rio-Santos, em Mangaratiba); as muitas famílias abastadas contratavam governantas estrangeiras e professores particulares (preceptores) para educação privada de suas crianças; bibliotecas inteiras e instrumentos musicais chegavam em carroças e lombo de mulas; arquitetos e mestres-de-obras famosos eram chamados para erguerem novas casas e prédios públicos.


Vila de São João Marcos - Foto: Reprodução da internet

Também foi em São João Marcos que construíram a primeira estrada de rodagem do Brasil, em 1856, com 40 km de extensão, para escoar o café das fazendas do Vale do Paraíba para o Porto de Mangaratiba. No sentido inverso, em tráfego intenso, subiam mercadorias e escravos, muitos escravos. Só o maior fazendeiro da região e homem mais rico do Brasil em todos os tempos, o Comendador Joaquim José Breves, considerado "o rei do café" no Brasil Imperial, tinha oficialmente 6 mil negros - na realidade, especula-se que tivesse o dobro disso, contando os não registrados. Como berço da expansão cafeeira no Vale do Paraíba, São João Marcos abrigou em suas terras os mais poderosos e abastados fazendeiros do País e suas plantações abasteceram o mercado europeu do século XIX. Mas seu fim estava próximo e seria marcado por uma longa e incrível sucessão de acontecimentos sombrios.


Mapa com relevo da Serra das Araras, indicando São João Marcos em 1882 - Foto: Reprodução da internet

Atualmente parte de seu território é o 3º distrito do município de Rio Claro, no Vale do Paraíba Fluminense, e a outra parte é o 4º distrito daquele mesmo município, com nome de Passa Três. As ruínas deste antigo município fluminense podem ser vistas às margens da rodovia RJ-149 entre os municípios de Rio Claro e Mangaratiba, onde foi construído um parque arqueológico mantido pela empresa Light S.A., com a finalidade de preservar sua memória.

Em 1854, Irineu Evangelista de Souza inaugurou a primeira ferrovia do Brasil, ligando Mauá a Raiz da Serra, no fundo da Baía de Guanabara. A proliferação dos trens causou a decadência de muitas vilas e povoados, já que a preferência geral passou para o transporte ferroviário, mais rápido e seguro que os lombos de burro, pequenas embarcações e carroças antes utilizadas.

São João Marcos não ficou imune à queda no movimento de tropeiros pelo caminho velho (que vinha de São Paulo) e acusou uma grave perda no comércio. Mas o infortúnio não costuma andar desacompanhado: além de vir apresentando queda de rendimento em decorrência do esgotamento das terras, a produção cafeeira fluminense sofreu outro golpe em 1889, com a abolição da escravidão. Os fazendeiros não conseguiram suprir a necessidade de grandes contingentes humanos para trabalhar nas plantações e a produção caiu a níveis desastrosos.


Casa do comendador Joaquim Breves na Praça Matriz
Foto: Reprodução da internet
Enquanto isso, os agricultores do Oeste Paulista, com lavouras mais recentes e contando com lavradores assalariados, meeiros e imigrantes, assumiram a liderança do mercado rapidamente. A situação estava péssima para a cidade. Com a decadência da cultura cafeeira fluminense e o desenvolvimento dos novos meios de transporte, São João Marcos foi perdendo importância e sua população ficou reduzida a pouco mais de 7 mil pessoas no início do século 20. Resistindo bravamente à decadência, a população e autoridades de São João Marcos tentaram se adaptar aos novos tempos e apoiaram o que seria a grande esperança de recuperação da economia local: a construção da Estrada de Ferro entre Barra Mansa e Angra dos Reis.

Realmente, a ferrovia trouxe de volta o antigo ar de prosperidade e novas possibilidades começavam a ser desenhadas para o futuro de São João Marcos. Enquanto isso, a menos de 100 quilômetros dali, a cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, se desenvolvia aceleradamente, o mesmo acontecendo com os municípios vizinhos. Era o ano de 1907, a população aumentava e a ordem era transformar a capital numa metrópole moderna, orgulho da república. A grande questão era onde conseguir as fontes dos recursos exigidos pelo progresso, como energia elétrica e água potável encanada, por exemplo. A solução já estava em mãos dos engenheiros da Light (cia. de eletricidade do Rio), que havia dois anos estudavam as possibilidades para suprir a crescente demanda. E a melhor opção, segundo eles, era criar uma represa e uma hidrelétrica no Ribeirão das Lajes, no alto da Serra das Araras.

Outra ferrovia chegava à São João Marcos vindo de Barra do Piraí. A estrada de ferro construída em 1881 foi inaugurada em 1884 pela E. F. Santana. Em 1889, a ferrovia passou a ser da V. F. Sapucaí. Tornaram-se o ramal de Passa-Três, que chegou a ser considerado parte da linha da Barra. Os trens que percorriam o trecho entre Barra do Piraí e Passa-Três eram composições diferentes, ou seja, havia uma espera de cerca de uma hora em Barra do Piraí para se mudar do trem que vinha de Soledade para se continuar viagem em outro trem até Piraí e Passa-Três.


A parada, já desativada em 1970 e com o nome de Armazém da Nova Esperança - Acervo Arquivo Municipal de Piraí

No início dos anos 1940, a parada e o trecho Barra-Passa Três foram fechados pela RMV. A linha foi arrancada em 1944, segundo o relatório da RMV para esse ano. A parada de Bela Vista foi conservada em pé e depois de anos de abandono foi reformada recentemente pela Quimvale Florestal, que ainda fica na Fazenda Bela Vista, proprietária da parada. O prédio era na verdade um armazém de mercadorias; como parada, não tinha chefe de estação, deveria ser de responsabilidade da fazenda; o trem somente parava ali se houvesse passageiros ou cargas a embarcar ou desembarcar.

Durante algum tempo, e depois de desativado e sem a ferrovia, o prédio se chamou "Armazém da Nova Esperança". A estação da Bela Vista tem esse nome por causa da antiga fazenda da Bela Vista, propriedade do 'Rei do Café' Joaquim José de Souza Breves ele mandou construir a estação. O nome Nova Esperança é do antigo armazém que abastecia os colonos e a vizinhança.


Quando surgiu a decisão de dar fim ao município, 97 grandes fazendas iriam ficar debaixo d'água. Justamente as maiores propriedades da área rural de São João Marcos. Combalidos economicamente e sem o poder político de outrora, os fazendeiros de São João Marcos pouco puderam fazer contra a inundação de suas terras, a não ser reclamar. Ofícios, atas, moções e comunicados da época retratam o sofrimento dos moradores e mostram com riqueza de detalhes o desespero das autoridades locais com o início da construção da Represa de Ribeirão das Lajes.

Havia um silêncio compactuado do governo quando a obra foi liberada para a Light, em 1907. A represa, com capacidade inicial para 224 milhões litros de água, abasteceria de eletricidade o Rio de Janeiro e dezenas de municípios vizinhos. A inundação teve início: os morros logo se transformaram em ilhas e uma centena de fazendas coloniais foi tragada. Os luxuosos teatros, bibliotecas e capelas desapareceram da noite para o dia. Plantações e casas sumiram sob as águas turvas do Ribeirão das Lajes e seus afluentes. Enormes áreas da zona rural submergiram e muitos caboclos foram pegos de surpresa.



As águas subiram rapidamente - talvez mais rápido do que o esperado - e alguns milhares de galinhas, cães, vacas, mulas e carneiros ficaram encurralados. Morreram afogados ou de fome e jaziam apodrecendo na beira d'água. A inundação formou extensas áreas alagadiças às margens da represa, acumulando grande quantidade de restos orgânicos, e o mau-cheiro se espalhou por quilômetros, durante vários meses. Nenhuma assistência foi prestada à população rural e nem houve um planejamento tático para a operação. Fecharam as comportas da represa e salve-se quem puder. As famílias pobres não tinham para onde ir, outras não acreditavam "nessa tal inundação", e ficaram. E morreram. A falta de cuidados sanitários fez proliferar a malária, antes restrita a algumas áreas isoladas da região, como a localidade de Arrozal.

A doença espalhou-se e tornou-se uma terrível epidemia, fazendo sucumbir milhares de pessoas nas cercanias da represa, sem alarde. Metade dos 7.000 habitantes da outrora invejável São João Marcos foi contaminada pela peste.

A população pediu desesperadamente por auxílio, mas nada foi feito. Uma tácita cumplicidade entre o governo, os grandes jornais e a Light, visando o interesse maior do Distrito Federal, impôs a silenciosa quarentena de duas décadas em que se arrastou a trágica agonia dos habitantes das redondezas de São João Marcos. Um ato de genocídio que foi, simplesmente, "esquecido" por nossa história. Os poucos habitantes que resistiram no centro urbano do município sobreviveram isolados, no mais completo esquecimento, deixados lá para morrer. Suas terras submersas, sua população dizimada pela peste e sua economia extinta - mas não sua esperança. Ainda havia vida. E haveria mais e maiores tragédias.



A decadência de S. J. Marcos foi tão forte que, em 1938, o governo estadual decretou a sua anexação, como distrito, ao pequeno município vizinho de Rio Claro - uma humilhação para aquela que fora a cidade com maior poder aquisitivo e melhor padrão de vida do País. Restava na cidade a população mais pobre e simples, que aos poucos reencontrava a alegria de viver e tentava superar a tragédia. Os carnavais de SJM e as festas do padroeiro ficaram famosas e passaram a atrair turistas. A cidade renascia. Havia a disputa entre as fanfarras e clubes locais, animando a cidade. Bloco carnavalesco era um só, mas tocavam duas bandas, a do Maestro Modesto Loyola e a do Maestro Juca Mal. Tinha desfile de carros alegóricos, escola de samba e concurso de fantasias. Fora das festas, os marcossenses seguiam a vida: plantavam, criavam, (re) construíam e estudavam.

O Rio de Janeiro continuava crescendo e a Light, na década de 1930, começou a projetar a expansão da represa de Lages, o que levaria, inevitavelmente, à extinção de S. J. Marcos. Os argumentos que a companhia, as autoridades governamentais e alguns jornais do Rio de Janeiro utilizavam para justificar a completa destruição da cidade eram:


  • A necessidade urgente de ampliar o abastecimento de água para a cidade do Rio de Janeiro, então Capital Federal

  • Ampliar a geração de energia elétrica, motor fundamental da industrialização que se iniciava no RJ.

Em 1939, uma reportagem de O Globo informava, com entusiasmo, que a Light comprara 78 fazendas e algumas casas da cidade, pretendendo adquirir toda a área de São João Marcos para inundá-la. Era o começo da campanha a favor da expansão da represa. A notícia das verdadeiras intenções da companhia surpreendeu os moradores de SJM, que iniciaram um desesperado movimento por socorro. De um lado, a Light, a grande imprensa e os governos estadual e federal queriam destruir a cidade; de outro, o povo queria preservá-la. Quando tudo parecia perdido, os moradores ganharam um apoio inesperado: o departamento cultural do Estado, representado por Rodrigo Mello Franco de Andrade, indicou a cidade como "monumento cultural" e exigiu a sua preservação.

A questão repercutiu na imprensa fluminense e, no mesmo ano, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, tombou a cidade. Classificada oficialmente como "raro exemplo intacto de conjunto de arquitetura colonial", São João Marcos finalmente estava salva, fora do alcance da temível Light. Pelo menos, assim pensava e comemorava o povo, que não conhecia o poder de donos de jornais, da multinacional e do Estado Novo.

Em 1939, os marcossenses fizeram uma grande festa para comemorar a decretação de monumento nacional e o bicentenário da cidade. Enquanto isso, a Light ameaçava reduzir a geração de energia caso a expansão da barragem de Lajes não fosse autorizada. A poderosa companhia canadense, inglesa e americana detinha, além da geração e distribuição de energia elétrica, os serviços de bondes, ônibus, telefones e gás do Rio de Janeiro.

O governo cedeu à pressão da Light e o presidente Getúlio Vargas entregou a cidade, desconsiderando a decisão do SPHAN e as reivindicações da população. Escandaloso, foi o primeiro caso de "destombamento" no Brasil. O decreto-lei nº 2.269 autorizou a desapropriação de terrenos, prédios e quaisquer benfeitorias que viessem a ser inundadas.

No contexto autoritário do Estado Novo, a população não teve outra saída que se submeter. Como a desapropriação era obrigatória, a Light ficou à vontade para ignorar o valor de mercado e avaliar as propriedades conforme a sua própria conveniência. Os moradores receberam indenizações miseráveis que não lhes permitiram comprar sequer um lote nas cidades vizinhas de Lídice, Rio Claro, Mangaratiba, Itaguaí ou Piraí. Para a opinião pública da capital, os jornais descreveram um quadro muito mais favorável que a realidade.


Barragem da represa de Ribeirão das Lajes - Foto: Família Unida

Promessas foram feitas e decretos assinados com o objetivo de garantir a reconstrução da cidade em outro local - e nada foi cumprido. A desocupação foi cruel: a Light "indenizava" e imediatamente as pessoas tinham que sair de casa, levando apenas os móveis, em caminhões da empresa. Imediatamente entravam os operários com marretas e demoliam tudo. O madeirame era empilhado e queimado. Em vão, os moradores pediam para levar as madeiras para construírem barracos em outros lugares. 

As turmas de operários com marretas se sucederam, os prédios próximos da represa foram demolidos por barcos rebocadores com cabos de aço e o restante dos quarteirões foi reduzido a pedregulhos pela dinamite. O caso mais traumático foi o da Igreja Matriz. Sua construção datava de 1796, com arquitetura maneirista, típica dos jesuítas, e barroca; seu interior era todo decorado em ouro. Os operários se recusaram a mexer com o prédio sagrado e a construção era tão sólida que os recursos "normais" de demolição não seriam suficientes. A Light, então, contratou um especialista, Sr. Dudu, de Rio Claro, para dinamitá-la. Consta que, por coincidência ou maldição, o dinamitador logo depois do serviço ficou "corcunda" e perdeu tudo, terminando seus dias como jardineiro no colégio de freiras de Valença, RJ.

Como a questão da derrubada da Matriz despertou o clamor público e a indignação dos católicos, o governo baixou um decreto (3 de junho de 1940) que obrigava a Light a reconstruir o templo em local próximo e a salvo das águas. Acalmados os ânimos, três anos mais tarde, a empresa se veria livre da obrigação por novo decreto (nº 5.739) que substituiu a reconstrução da Matriz por uma simples indenização de 600 contos de réis ao Estado. Apenas o cemitério foi respeitado e parcialmente transferido para o alto de um morro. São João Marcos finalmente estava extinta, em ruínas. Era hora de levá-la para o fundo das águas.

À distância, do alto dos morros, ex-moradores, curiosos e funcionários da Light acampados precariamente se acotovelavam para verem sumir a terra que um dia abasteceu toda a Europa de café. Pela segunda vez, São João Marcos seria inundada pelas águas revoltosas e turvas que apagavam os rastros de 200 anos de trabalho, fausto e progresso. A cada dia elas se aproximavam mais do centro da cidade, e foram subindo, subindo, até que estancaram - sem alcançar as ruínas da demolição. Logo surgiu o rumor de que os técnicos da Light haviam errado os cálculos e que a demolição de São João Marcos tinha sido desnecessária, pois a água se nivelara bem abaixo do nível da cidade.

A população começou a se revoltar e, segundo alguns operários da Light contaram depois, a ordem superior veio rápida: "era preciso inundar a cidade, a qualquer custo!" E quase custou a própria represa, pois foi preciso fechar as comportas e fazer o nível subir além dos limites máximos de segurança da barragem. A água apenas molhou alguns centímetros das ruínas de SJM, o suficiente para "justificar" a expulsão dos 5 mil moradores, a estúpida agressão ambiental e o desaparecimento de dois séculos de nossa história. Desde então, jamais a represa tornou a alcançar a cidade, nem nos períodos de chuva mais intensa. A brutal destruição de SJM foi mesmo uma burrada de engenharia. 

Tanto sofrimento por um erro na prancheta. Hoje, resta pouco de São João Marcos do Príncipe. Virou local de pastagem. Ainda existem alguns calçamentos em meio ao matagal. Caminhando pela antiga rua principal, avistam-se algumas ruínas. Uma única ponte resiste , intacta, como se ainda esperasse por passantes. No alto do morro, o cemitério público; o branco dos túmulos salta entre o verde, lembrando que, num passado não muito distante, aquela cidade teve vida e foi habitada por algo mais que pequenos pássaros.


Foto aérea da represa de Ribeirão das Lajes - Foto: Jerbesson Odely

Distrito de Lídice

As terrdas da localidade de Santo Antônio do Capivary pertenciam a cidade de São João Marcos. Hoje chamada de Lídice, pertence ao município de Rio Claro

Capivary teve início em 1797, quando por ali se estabeleceu o sesmeiro Manoel Gonçalves Portugal. Várias fazendas foram edificadas nessas terras pela família Portugal, e dessas fazendas foram surgindo vários núcleos urbanos que deram origem ao povoado. A econômia da região girava em torno da produção de café e do movimento de tropas em direção ao porto de Angra dos Reis. Após a decadência da economia cafeeira, algumas localidades foram incorporadas ao Município de Rio Claro, e Capivary passa a se chamar Vila Parado, nome de um Rio local.


Estação Capivary em 1922. Foto do livro "Estrada de Ferro Oeste de Minas

Em 1944, a Vila Parado passa denominar-se Lídice, em homenagem a antiga Lídice na Tchecoslováquia, hoje República Tcheca, que durante a Segunda Guerra Mundial foi totalmente destruída e a grande maioria de seus habitantes assassinados pelos alemães, como vingança pela morte do comandante nazista Reinhard Heydrich. Os países aliados então decidiram homenagear as vítimas, dando o nome de Lídice a várias cidades e lugares pelo mundo. O Distrito de Lídice, possui dezenas de cachoeiras e corredeiras, compondo um belo cenário de paz e harmonia com a natureza, que também é composta por grande área de Mata Atlântica, muito propícia a caminhadas. Com uma população de aproximadamente 5 mil pessoas, Lídice hoje, tem uma economia baseada na pecuária de corte e leiteira.



Passa Três

No entroncamento das RJ-145 e 139, sempre teve sua economia voltada para a produção agropecuária e para a exploração de água mineral. Alcançou razoável desenvolvimento durante o tempo em que a atual RJ-139 era conhecida como "Rio-São Paulo", sendo a única rota rodoviária entre as principais metrópoles do país, á época. Com o passar do tempo e a abertura da rodovia Presidente Dutra, caiu de importância.


Estação Passa três, em 1930 - Foto: Acervo do Arquivo Histórico de Piraí, RJ
o Distrito de Passa Três (Antigo Nossa Senhora da Conceição do Passa Três), pertenceu ate 1938 ao município de São João Marcos que, após a sua extinção todos os seus distritos passaram a fazer parte de Rio Claro. O tráfego comercial em Passa Três era intenso, muitas eram as estradas que atravessavam a localidade partindo de Angra dos Reis, Rio Claro, Mangaratiba, São João Marcos, Alto da Serra e de Arrozal. A Estrada de Ferro Pirahyense, que contribuía para o transporte do café e de outros gêneros, chega ao distrito em 1883, e em 8 de julho do mesmo ano foi inaugurada a Estação Ferroviária de Passa Três, hoje extinta.


Estudo para a ligação Passa-Três-Rio Claro. Nunca foi feita, mas abreviaria a distância Barra do Piraí-Angra dos Reis em mais de 100 quilômetros - O Estado de S. Paulo, 28/1/1931

Surgem as primeiras ligações por ônibus...

Com o fim da linha férrea, o ramal da Rede Mineira de Viação que ligava Passa-Três a Barra do Piraí foi desativado. Construir estradas de rodagem era o lema da época. Estrada é imperativo de progresso. "Governar é fazer estradas", dizia o Presidente Washington Luiz.

Reynato Frazão de Souza Breves, empreendedor e entusiasta da estrada de rodagem que substituiu o trem em Piraí, foi o primeiro a colocar em funcionamento uma linha de ônibus ligando Piraí a Barra do Piraí. Com seu irmão Humberto de Souza Breves (Filhinho) e o amigo Antonio Severiano Pereira, idealizaram uma linha de ônibus entre Piraí e Barra do Piraí em substituição a linha ferroviária que havia sido arrancada para construção da estrada de rodagem.

Compraram uma "jardineira". Bancos à semelhança dos bondes do Rio de Janeiro. Tudo aberto. Lonas em volta, ora enroladas ora esticadas, faziam as vezes de janelas. Era a "perua". Ligava também Piraí a Passa-Três.

No tempo das chuvas, máxima penitência! Mais atolava que andava, Correntes nas rodas para enfrentarem os atoleiros, Queixumes e reclamações. Todos lamentavam a falta do trem.


Os empresários dos transportes. Da esquerda para direita: Reynato Frazão de Souza Breves. Atrás, seu filho José Affonso (Zeca), Humberto de Souza Breves, Antonio Severiano, e outros.

Os três valentes: Reynato, Humberto e Antonio formam então uma sociedade - a Viação Nossa Senhora Aparecida. Alguns anos depois a sociedade foi desfeita e Reynato ficou com a linha de Barra do Piraí ao Rio de Janeiro.




Humberto (Filinho) ficou com a linha de Barra do Piraí, Volta Redonda, Barra Mansa. A linha Piraí x Barra do Piraí que era composta de duas jardineiras de madeira ficou com o genro de Reynato. Foi vendida em 1952 para a família de Chiquinho Soares.



Denominada de Viação Progresso pelos irmãos Soares nascia ali a verdadeira vocação daquela família, que nove anos mais tarde iria vender a padaria e dedicar todos os esforços e investimentos na Viação Progresso.



A Viação Barra do Piraí Ltda. passa a investir em turismo, denominando-se Viação Barra do Piraí e Turismo Ltda. Mais tarde, a empresa vende sua parte de turismo para a empresa Normandy.




No centro urbano do distrito se encontra a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída no século XIX, e também alguns casarões remanescentes. Há poucos quilômetros do centro, localiza-se duas edificações construídas pelo Comendador Joaquim José de Souza Breves, a Fazenda da Grama, que foi sede da administração de suas inúmeras outras fazendas, e a Capela de São Joaquim da Grama, erguida em 1809. No entroncamento das RJ-145 e 139, sempre teve sua economia voltada para a produção agropecuária e para a exploração de água mineral.

Colitur Transportes Rodoviários - Foto: Reprodução da internet

O distrito de Passa Três atualmente é servido por linhas da Colitur Transportes Rodoviários, fundada em 1 de janeiro de 1969 e pela Costa Verde Transportes em uma linha rara de horários, que liga a Rodoviária Novo Rio à Jacuecanga em Angra dos Reis vindo pela Rodovia Presidente Dutra.



A Estrada Imperial de São João Marcos

Além da atividade portuária de escoamento de café, o tráfico de escravos foi outra atividade econômica que proporcionou o enriquecimento da região. Movida pela riqueza dessas atividades, Mangaratiba conquistou sua independência administrativa em 11 de novembro de 1831, sendo elevada à categoria de vila com a denominação de Vila de Nossa Senhora da Guia de Mangaratiba. Ao emancipar-se anexou ao seu território as terras de Conceição de Jacareí (antes pertencente à Angra dos Reis) e da Serra do Piloto (antes pertencente à São João Marcos).


Descida da Estrada do Atalho com vista para a Praia do Saco e vila
Ilustração de Miguel Arthuro - Acervo da Fundação Mário Peixoto) 

O primeiro projeto discutido na Câmara de vereadores da nova vila foi a construção de uma estrada ligando Mangaratiba à São João do Príncipe (São João Marcos). Joaquim José de Sousa Breves assumiu a administração da construção dessa estrada hoje denominada como “Estrada do Atalho”. A produção de café se intensificou tanto que a estrada construída por Breves, por ser estreita e apenas areada, passou a ser considerada insuficiente para escoar toda a produção cafeicultora da região. Entre os anos de 1850 a 1856, essa estrada entrou em obra de calçamento e de ampliação.


Trecho preservado da Estrada do Atalho: esta foi a primeira ligação entre a Vila do Saco e a cidade de São João Marcos (autor desconhecido)
Ao mesmo tempo teve início, no ano 1855 a abertura de uma nova estrada ligando Mangaratiba à São João Marcos, ficando assim sendo construídas duas estradas para mesma direção. 

Numa extensão de aproximadamente 40 km, a rodovia histórica foi construída por decreto do D. Pedro II, sendo inaugurada em 1857 e que ficou conhecida, posteriormente, como “Estrada Imperial” foi a primeira verdadeira estrada de rodagem do Brasil. Podemos considerar esse evento como um marco do desenvolvimento da região no período imperial. Porém, o período áureo da economia durou pouco.


Construção no leito da Estrada Imperial - Foto: Reprodução da Internet

Sua decadência aconteceu pela conjugação de três fatores:


  • O aumento da taxa cobrada na barreira (pedágio), a partir de 1857, no mesmo ano da inauguração da estrada, para cobrir o alto custo de sua construção;

  • A chegada do trem à Barra do Piraí, em 1864, desviando a rota de escoamento do café;

  • O evento da Abolição da Escravidão, em 1888, que desestruturou todo sistema produtivo da região.

A Estrada Imperial é a primeira estrada de rodagem do país, criada para ligar ao mar o município de São João Marcos, um dos mais ricos do país entre o final do século 18 e meados do século 19, e facilitar o escoamento da produção cafeeira do Vale do Paraíba e a entrada de mão de obra escrava para a lavoura. A cidade foi incorporada ao município de Rio Claro em 1938 e, no ano seguinte, data de seu bicentenário, tornou-se a primeira cidade do Brasil tombada pelo Iphan.


Ruínas do Município de São João Marcos - Foto: Reprodução da Interne

Desde São João Marcos à Mangaratiba, o percurso descendo a encosta da montanha, por estrada que se encurva entre a mataria densa,é possível vermos o acesso às estradas, amparando as barreiras com contrafortes, cortando inúmeras vezes o rio com pontes, uma das quais de perfil romano, com seu ar avermelhantado de limo verde, coberto de avencas, essa é a "Ponte Bela", mandada construir pelo Comendador Joaquim José de Souza Breves, e que dava acesso a outrora Fazenda da Bela Vista, de sua propriedade, e, por onde escoava sua produção enorme de café e riquezas.


Para uma justa estimativa de todo o valor deste entreposto, basta citar o fato de ter custado até 1855 aos cofres fluminenses, a alta soma de 623 contos de réis, a estrada velha de Mangaratiba à São João do Príncipe, quando foi entregue ao Desembargador Joaquim José Pacheco, que incorporou uma companhia para reconstruí-la, tornando-a numa extensão de 4 léguas uma excelente via de comunicação, como ainda hoje a encontramos, macadamizada com obras de arte, pontes, aterros, paredes e bueiros, tudo feito com segurança e sobriedade.


Vista do Mirante da Serra do Piloto - Foto: Reprodução da Internet
Sobreleva notar que, neste período áureo a Província do Rio de Janeiro antecipava a política rodoviária dos governos modernos, empregando 42 por cento de sua receita na construção e conservação de estradas, pontes e canais. Cada légua da estrada de Mangaratiba custou 315:800 $ aproximadamente, algarismos que naquele tempo representavam soma ponderável, quer para os cofres públicos, quer para os particulares. Mas em compensação passavam pela estrada anualmente, mais de 1.500.000 arrôbas de café. É certo que a companhia explorada dessa estrada faliu, mas intervieram outros motivos, que não há lugar para se referir aqui, quando damos apenas os índices da prosperidade dessa região cafeeira.





De São João Marcos a Mangaratiba são vinte e sete quilômetros de estrada de rodagem, construída de 1850 à 1857. Na época, uma rodovia excelente, bem calçada, defendida por sólidas muralhas nas curvas perigosas e abrindo brechas em altas montanhas. A Ponte Bela, sobre o Ribeirão das Lages, é elegantíssima na curva audaciosa do seu único arco de cantaria.


Indispensável destacar que a RJ-149 atravessa uma importante unidade de conservação da natureza que é o Parque Estadual do Cunhambebe, havendo antigas construções da época imperial (as ruínas do velho teatro e o histórico Bebedouro da Barreira) que podem ser encontradas no trajeto, além de um mirante a 200 metros de altitude. Deste ponto, avistamos toda a cidade de Mangaratiba, parte da área rural do Município, sua baía e Ilha Grande.


A decadência na região foi tão grande que o município de Mangaratiba foi extinto em 08 de maio de 1892. Apesar de ter sido restabelecido alguns meses mais tarde, em 17 de dezembro do mesmo ano, os portos mangaratibenses ficaram desertos e inúmeras edificações foram abandonadas, tais como casarões, armazéns, lojas e trapiches dentro da vila, no Saco e na Praia do Sahy.

Em 1894, o vereador José Caetano de Oliveira (grande fazendeiro e empreendedor de Itacuruçá) começava sua luta para trazer o trem para a região. Finalmente o trem chegou, em 1911, à Itacuruçá e, em 1914, ao centro de Mangaratiba. Nesse período, o mundo começava a viver o conflito da Primeira Guerra Mundial, e o consumo de lenha aumentou consideravelmente, já que a maior parte do carvão mineral consumido no Brasil vinha da Europa e, durante a guerra, foi totalmente cortada sua exportação.


Praia da Ponte ( Pier ) - O famoso trem apelidado de "Macaquinho" por carregar muitas bananas.
Mangaratiba já foi a maior produtora da fruta no país - Foto: Ibicuí Fotos

Os lavradores aproveitavam os espaços abertos com o corte de lenha e de madeira para fazer carvão e faziam o plantio da banana. Aos poucos, os bananais foram se espalhando pelas serras da região e ganhando destaque na economia mangaratibense. Grandes carregamentos desse produto chegavam às estações e paradas de trem, levados por tropas de burros, carroças e barcas. Os trens que circulavam por essa região, apelidados por “Macaquinhos”, por andarem abarrotados de bananas. Mangaratiba chegou a ser o maior produtor de banana do país.

Nesta época o trem entrava em um desvio antes da estação e chegava ao pier para carregar bananas e outras matérias primas vindas da Marambaia, Paraty, Angra dos Reis e Estações do ramal.



Referências Bibliográficas

Turismo no Café, Light SA, Turismo Vale do Café, Istoé, Centro Municipal de Ensino São José, Viver em Tribo, DETRO - Departamento de Transportes Rodoviários, Dr. Rodrigo Luz, Prefeitura Municipal de Piraí, Ibicuí Fotos Antigas, Estações Ferroviárias, Associação dos Empregados de Nível Universitário da CEDAE, DER - Departamento de Estradas de Rodagem, Prefeitura Municipal de Mangaratiba, Breves Café, Márcia Peltier, Memórias de Piraí.
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Cidades do Passado: O Município de Estrela e a Estrada de Ferro Mauá

A Vila da Estrela teve sua origem no período colonial, durante o Ciclo do Ouro. O Porto da Estrela serviu como escoadouro da produção de aurífera obtida em Minas Gerais, e regiões próximas, quando da criação da variante do Caminho do Proença foi criada como substituta do Caminho Novo, encurtando distância e reduzindo o tempo de percurso.



O povoado tornou-se, desta forma, um dos principais e mais ativos portos do território brasileiro. Por seu porto passavam mercadorias provenientes do interior ou destinadas a ele. 




O povoado de Estrela disputava com Iguaçu a hegemonia econômica e política da região. Quando foi criada a Vila de Iguaçu, em 1833, no decreto incluía Estrela como distrito da então criada vila. As lideranças de Estrela e Inhomirim protestaram junto ao presidente da Província contra aquela atitude arbitrária, gerando intrigas políticas que acabaram por extinguir a Vila de Iguaçu em 1835.

Iguaçu foi repartida entre as Vilas de Vassouras e Magé. O comendador Francisco José Soares mobilizou a população de Iguaçu para um abaixo-assinado pedindo a restauração da vila, fato alcançado em 1836. Comendador Soares, o restaurador da Vila de Iguaçu, morreu na sua fazenda Morro Agudo em 1873. Estrela continuou com seu movimentado arraial, pois era a porta de entrada para o interior, levando pelos tropeiros as mercadorias importadas e trazendo mercadorias para serem exportadas para a Europa pelo porto do Rio de Janeiro.
Atualmente, o território que compreendia o município de Vila Estrela compõe partes dos municípios de  Magé, Petrópolis e Duque de Caxias.

Durante o Império de Dom Pedro II, o Porto da Estrela tornou-se município através da lei provincial nº 397, de 20 de maio de 1846, elevando-o à categoria de vila; ocorrendo a sua instalação em 20 de julho do mesmo ano. Em seu território esteve sob jurisdição a Imperial Colônia de Petrópolis, emancipada em 1857. Com a emancipação de Petrópolis, o município de Estrela ficava composta pelas freguesias de Inhomirim, Nossa Senhora do Pilar e Guia de Pacopaíba.



Com o advento da ferrovia no Brasil, cuja primeira estrada de ferro - construída pelo Barão de Mauá - teve justamente a estação inicial no Porto de Mauá – em Guia de Pacobaíba – distante poucos quilômetros da Vila da Estrela. Com este acontecimento, com a mudança do sistema de transporte, o porto da Vila da Estrela tornou-se uma rota obsoleta e inviável, motivando, com o tempo, sua natural e gradual desativação.

O porto arruinou-se e foi abandonado depois da inauguração da Estrada de Ferro Mauá. Em 1855, uma epidemia de cólera assolou o lugar. No entanto, ainda em 1857 partiam diariamente para o Rio de Janeiro 16 barcos, transportando produtos da lavoura. Estrela era, então, um município, cuja decadência se acentuou em 1872.


Ruínas da Capela de N. Sra da Estrela dos Mares - Foto: Magé Turismo
Após a abolição da escravatura e a Proclamação da República, já em plena decadência, foi a sede municipal da vila fio transferida para a povoação de Vila Inhomirim, na Raiz da Serra, pelo decreto n° 241, de maio de 1891 do governador Francisco Portela. Mas apesar da mudança de sede, a vila, já em plena crise econômica, não mais podendo resistir como célula política, foi extinta em 08 de maio de 1892, por determinação do decreto n° 01, no governo estadual de José Tomás da Porciúncula. Seu território municipal é dividido entre os municípios de Magé e Vila de Iguassú (atualmente Nova Iguaçu).

Desde 1767, o porto era assinalado nas cartas topográficas da baía. Por ele passaram numerosos viajantes ilustres, como o próprio D. João VI, Auguste de Saint-Hilaire, Johann Baptist Emanuel Pohl, Thomas Ender, John Mawe, Hermann Burmeister, Langsdorff, Spix, Martius, John Luccock, Ida Pfeiffer, que por lá passou na excursão a Petrópolis em 1846 durante sua primeira viagem de volta ao mundo, e, naturalmente, a Família Imperial, que costumava passar o verão em Petrópolis. 

O Porto de Estrela ficava localizado junto à margem do Rio Inhomirim, próximo a sua foz no rio Estrela, no atual município de Magé. Encontra-se em ruínas hoje, assim como os galpões de armazenagem de café e outras mercadorias para exportação. O porto de Estrela teve grande importância no período imperial por ser o ponto de embarque e desembarque de passageiros entre o Rio de Janeiro, então capital imperial, e a próspera Vila Rica, no estado de Minas Gerais, como ponto de partida em terra do Caminho do Proença.





O Porto de Estrela

A vila da Estrela à margem direita do rio Inhomirim, quase na junção com o Saracuruna, cujas águas formam o rio Estrela, e desaguadouro no litoral norte da baía de Guanabara, contou essa localidade no período colonial e até a metade do século XIX, com um dos principais e mais ativos portos do território fluminense, o qual servia de corredor permanente à exportação de grande parte de seus produtos, bem como das Gerais. 
Rio Inhomirim - Local do Porto da Vila Estrela - Foto: Leonardo S. Oliveira

Por ali, anualmente, registravam-se embarque de milhares de metros cúbicos de madeiras nobres, outros milhares de caixas de açúcar e pipas de aguardente e, após o período colonial, com o acentuado plantio do café no vale do Paraíba, toda a produção representada por centenas de milhares de arroubas. As casas de comércio grandemente abastecidas e o extraordinário movimento portuário constituíam verdadeiro empório que dava atendimento às necessidades das populações litorânea, ribeirinha e interiorana.

O povoado era o portão de entrada do atalho do “Caminho Novo”, construído pelo sargento mor Bernardo Soares Proença, em 1720, que após o percurso de alguns quilômetros pela Baixada até a raiz da serra, serpenteando a montanha ia ter no lugar denominado “Alto”, para, ao depois, em não acentuado declive, seguindo a margem direita do Córrego Seco – rio Westfalia – alcançar o vale do Itamarati. 

Daí, seguindo o curso do rio Piabanha o caminho ia até o local onde posteriormente surgiu a localidade de Pedro do Rio e, dali, tomando o sentido oeste, passava por Fagundes, Santana de Cebolas, Encruzilhada até atingir o arraial de Garcia Rodrigues, atual Paraíba do Sul, final do percurso.

Esse atalho reduziu em alguns dias e mais segurança proporcionou à viagem da corte para as Gerais, embora, com ressalva no trecho do “Córrego Seco”, onde se situa Petrópolis, posto que, na estação chuvosa o forte aguaceiro, o lamaçal, o frio e a constante neblina cobrindo a área martirizavam, exigindo dos tropeiros conhecimentos da região e atenção, pois, a nula visibilidade naquela época do ano, poderia levá-los ao desvio da rota e conseqüente perda, na ínvia floresta, da carga e dos animais.

Entretanto, no alvorecer do século XIX, com a macadamização do trecho da subida da serra, em trabalho de “pedra calçada”, que, não obstante o descuido de sua preservação pelas autoridades, mostra-se, até hoje, a sua grandiosidade, que lhe valeu, à época, o título de “Via Apia Brasileira”, e bem assim, a construção posterior da Estrada Normal do Comércio pelo engenheiro Júlio Frederico Koeler, maior movimentação e prestigio, alcançou o Porto da Estrela, cujo reconhecimento veio através da lei prov. n. 397, de 20 de maio de 1846, elevando-a à categoria de vila, ocorrendo a sua instalação em 20 de julho do mesmo ano.

Contudo, com o advento da ferrovia, cuja primeira estrada teve justamente a estação inicial no Porto de Mauá – Guia de Pacobaíba – distante poucos quilômetros da vila, curto tempo de prosperidade respirou a nova comuna, visto que, àquela altura, com a mudança do sistema de transporte, obsoleto e inviável tornou-se a utilização daquele porto, motivando, com o tempo, sua natural e gradual desativação.



A Estrada de Ferro Mauá

Em 27 de Abril de 1852, a Presidência da Província do Rio de Janeiro, contratou com Irineu Evangelista de Souza, mais tarde Barão e Visconde de Mauá, a construção de uma Via Férrea, que partindo do Porto de Mauá, fosse até a Raiz da Serra de Petrópolis.
A "Baroneza", primeira locomotiva a vapor no Brasil e a única transformada em monumento cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, circulou pela primeira vez em 30 de abril de 1854 quando foi inaugurada a E.F. Petrópolis,fundada por Irineu Evangelista de Souza, Visconde e Barão de Mauá, patrono do Ministério dos Transportes.
Foto: Estradas de Ferro

No Brasil dos ciclos da cana e do ouro o transporte era feito pelas tropas de mulas. A produção lenta, não prescindia da rapidez. Com o cultivo de café no Vale de Paraíba e a grande aceitação do café brasileiro nos mercados interno e externo, era fundamental a adoção de um meio de escoamento mais rápido dessa produção para os portos.


Irineu Evangelista de Souza, o primeiro grande empresário brasileiro - considerado o “Empresário do Império” - foi uma das mais brilhantes figuras da história do país, com seu espírito empreendedor e fascinado pelo progresso, a despeito das grandes dificuldades de um país que há pouco deixava de ser colônia, talvez até hoje não tenha sido plenamente reconhecido. Foi sem sombra de dúvidas, juntamente com o Imperador D. Pedro II, um dos poucos brasileiros da época a perceber e assimilar as conquistas da então efervescente Revolução Industrial.

O empresário não só quis trazer os seus benefícios para o país, mas também estimular de todas as formas ao seu alcance que o Brasil participasse efetivamente desse processo de industrialização, especialmente por entender o significado estratégico do novo tipo de colonialismo tecnológico que cada vez mais diferenciaria nações ricas e pobres. Irineu pensava numa ferrovia em direção a Minas Gerais.

Assim, dentre outros privilégios, solicitou a concessão para a construção de uma Estrada de Ferro ligando o Porto de Mauá a Raiz da Serra de Petrópolis, por ele solicitada ao governo da Província do Rio de Janeiro, antes da lei n°.641, para mostrar ser possível a construção de um caminho de ferro sem a garantia de juros do capital empregado. Limitou-se a pedir à Assembléia Provincial do Rio de Janeiro um privilégio de zona, a garantia de que não haveria uma ferrovia paralela no trecho em que pretendia atravessar, e assim realizar a obra com os capitais privados que pudesse reunir.

Diante do proposto, o Governo Geral, através do Decreto n° 987, de 12 de junho de 1852, aprovou o ato de 27 de abril do mesmo ano do Presidente da Província, Luiz Pereira de Couto Ferraz, e Irineu Evangelista ganhou o privilégio de explorar uma linha de navegação pela Baía de Guanabara, do Porto da Prainha, atual Praça Mauá, até um ponto localizado na Praia de Mauá, antigo Município de Estrela, atual Município de Magé, e desse ponto o privilégio para construção de uma estrada de ferro até a localidade de Fragoso, próximo a Raiz da Serra de Petrópolis, de onde estenderia suas linhas pelo interior até o Rio São Francisco. Tal autorização, no entanto, tomarse-ia sem efeito caso a estrada não fosse concluída num prazo de dois anos.


A "Baroneza", primeira locomotiva a vapor no Brasil e a única transformada em monumento cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, circulou pela primeira vez em 30 de abril de 1854 quando foi inaugurada a E.F. Petrópolis,fundada por Irineu Evangelista de Souza, Visconde e Barão de Mauá, patrono do Ministério dos Transportes.

Irineu tinha tudo pronto, não dependia do governo, e agiu com rapidez. Um mês depois da aprovação da lei, no dia 29 de maio, na sede do Banco do Brasil, reuniu-se com os acionistas da “Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro de Petrópolis" para fundar a empresa responsável para a construção da Ferrovia. Neste curto período, conseguiu reunir 26 interessados no projeto. O grupo incluía negociantes ingleses, com destaque para o velho amigo Richard Carruthers, além de Alexander Donald Mac Gregor, seu futuro sócio, e Thomas Fulding. Mas havia também políticos importantes, como os senadores José Antônio Pimenta Bueno (futuro Marques de São Vicente) e Teófilo Otoni, já acionista do banco.

A lista completava-se com vários comerciantes de origem portuguesa e alguns brasileiros, dentre os quais podemos citar Manuel Augusto Ferreira D'Almeida, Manuel Correia de Aguiar, que representava também o Dr. Cândido Borges Monteiro, futuro Visconde de Inhaúma, José Maria do Amaral, representando a firma Amaral e Bastos, Manuel Gomes Moreira, representante da firma Joaquim da Fonseca Guimarães e Cia. Na mesma ata de reunião inaugural, o presidente eleito da empresa, o próprio Irineu Evangelista, menciona o início próximo das obras.


Grupo de ferroviários posa ao lado da locomotiva em foto da decada de 1920. - Foto: Reprodução da internet

Foi contratado o engenheiro inglês William Bragge para realização dos estudos e projeto, e, em 29 de agosto de 1852, os trabalhos de construção da linha foram iniciados sob a direção de Bragge e dos engenheiros Robert Milligan e William G. Ginty. Foi solicitado ao governo que delegasse a um engenheiro brasileiro a função de acompanhar as obras, tendo sido nomeado, em agosto de 1853, o major Amado Emílio da Veiga. Apesar de aparentemente ter sido uma estrada de construção fácil, sem grande movimento de terra, a mesma apresentou uma série de problemas desde os desmoronamentos provocados por fortes chuvas, durante os trabalhos no corte do morro Camarão, aos surtos de febre que atingiram os operários.

Por outro lado, a inexistência de mão-de-obra especializada exigia dos responsáveis pelos trabalhos tarefas não previstas, como, por exemplo, ensinar aos operários as várias etapas da obra. A falta de materiais adequados determinou ainda a instalação de uma olaria para suprir com tijolos o empreendimento. 

No dia 29 de agosto de 1852, Irineu transformou a cerimônia de inauguração das obras da Estrada de Ferro numa demonstração do poder de seus princípios. Conseguiu fazer do Imperador e de toda a Corte dóceis instrumentos de sua afirmação, isso de modo bem brasileiro: numa mistura de festa, procissão, calor e desfile de modas. Todos os convidados foram levados até o Porto da Estrela em seus vapores, e dali seguiram de carruagem até o local da festa, o pasto da fazenda do Comendador Albino José de Siqueira, no perdido distrito de Inhomirim. 

Não faltava uma autoridade importante do país. Estavam ali o Imperador e a Imperatriz, três de seus Ministros (o Barão de São Lourenço, do Império, Zacarias de Góes e Vasconce¬los, da Marinha e Manuel Felizardo de Souza e Melo, da Guerra), o Presidente do Senado, Marquês de Sapucaí, os membros da mesa da Câmara dos Deputados, o Conselheiro Ferraz, presidente da Província do Rio de Janeiro, Joaquim Pinto dos Reis, presidente da Assembléia Provincial Carioca, dois conselheiros do Estado (o Marquês de Paraná, acionista da empresa, e o Visconde de Monte Alegre), todos oficiais de semana no Paço, camaristas, médicos, vereadores e oficiais de gabinete.

À uma hora da tarde, em pleno sol, todo o grupo em trajes de gala iniciou uma caminhada pelo pasto até um ponto marcado, onde os esperava o vigário da paróquia local, para dar a benção aos trabalhos. Concluída a oração, Irineu entregou ao Imperador uma pá de prata, com a qual este cavou três vezes a terra, despejando o produto num carrinho de jacarandá incrustado de prata. As obras transcorreram celeremente entre o Porto de Mauá (km 0), em Guia de Pacobaíba, até a localidade denominada Fragoso (km 14,5), passando por Caíuba (km 3.073). Calafate (km 5.32). Inhomirim (km 7.756), mais tarde renomeada Cassebu, e Entroncamento, mais tarde Piabetá (km 11.828).


O comprimento da linha era de 14,5 km, e suas características técnicas definiam os raios mínimos de curva com 290,32m, rampa média de 0.18% e bitola de 1.676 m, a mais larga até hoje empregada no Brasil. E assim, aos poucos, o que parecia impossível se tomava realidade. Os barcos que deviam levar as cargas e os passageiros do Rio de Janeiro ao Porto de Estrela saíam do estaleiro de Ponta de Areia com locomotivas, carros de passageiros e vagões. Além do material rodante, todos os materiais para a construção da estrada eram de procedência inglesa. A mesma não apresentava grandes obras-de-arte, a não ser algumas pontes, primitivamente feitas em madeira, depois substituídas por pontes em ferro, uma das quais com o comprimento de 134 pés (40.84 m), sob o Rio Inhomirim.

As estações eram prédios em estrutura de ferro galvanizado. Os trilhos utilizados para construção da linha eram do tipo boleto "Champignon", pesavam 32 Kg por metro, e, em lugar dos dormentes. assentavam-se sobre panelas de ferro fundido (denominado sistema “Greave”) colocados sobre lastro de areia. Pouco mais de um ano depois de iniciadas as obras, já havia um pequeno trecho que podia ser percorrido, ainda que precariamente, cerca de uma milha e três quartos, o que bastava para satisfazer o otimismo do empresário.

No dia 6 de setembro de 1853, ocorreu a primeira viagem de trem a ser noticiada na história do Brasil. Adaptando-se à Locomotiva um carro de transporte de materiais, esta composição percorreu o trajeto em quatro minutos incompletos. Essa pequena vitória funcionava para o empresário como a prova definitiva de que tudo daria certo, que o futuro estava com ele.

Para apressar a construção, Irineu chegou a pedir por empréstimo ao Ministério da Guerra trilhos que existissem disponíveis na “Fábrica de Pólvora Estrela". Ainda em 1853, no mês de dezembro, anunciou que da estrada, desde o Porto de Mauá até Fragoso, já estavam concluídas quatro milhas de linha férrea, faltando, portanto, cinco, sendo possível prever sua inauguração para março do ano seguinte. O empresário declarou ainda que teriam início em breve as estações de Fragoso e das barcas, no Largo da Prainha; que o vapor Guarani, para transporte de passageiros até o Porto de Mauá, já se achava concluído; que os dezesseis carros cômodos e leves para estrada de ferro já estavam quase prontos; e que os dois pequenos ônibus para o transporte dos passageiros, do terminal da linha férrea até Petrópolis, estavam prontos.

A inauguração da Estrada de Ferro, marcada para 23 de abril de 1854, devido ao mau tempo e por determinação do Imperador, foi transferida para o dia 30, um domingo. A comitiva Imperial foi acolhida no Porto de Mauá, onde, enfileiradas, as três locomotivas da Companhia foram abençoadas pelo cônego Chaves, representando o Bispo do Rio de Janeiro, que por doença não pôde comparecer. Terminada a cerimônia, a comitiva embarcou no trem composto da locomotiva, do carro imperial e de três carros de passageiros, todos especialmente decorados para a viagem de 14.5 km até o Vilarejo de Fragoso.

A viagem inaugural foi feita em pouco mais de vinte minutos, alcançando a velocidade de 36 km/h, jamais imaginada pelos presentes, assombrando a todos. Dos dois lados dos trilhos, oficiais da Guarda Nacional ficaram perfilados, enquanto os menos afortunados espalhavam-se pelos morros para, pela primeira vez, ver um trem passar em terras brasileiras.

De Fragoso, a comitiva dirigiu-se à casa do tenente-coronel Alziro José de Siqueira, presidente da Câmara Municipal de Estrela, onde os mais entusiásticos discursos foram pronunciados. No regresso, o Ministro do Império, Luis Pedreira Ferraz, que, quando presidente da Província do Rio de Janeiro, dera a concessão da Estrada a Irineu Evangelista de Souza, levou este à presença do Imperador, que o agraciou com o título de Barão de Mauá.

No dia 1º de maio de 1854, foi aberta ao tráfego a E. F. Mauá, cujo ponto inicial era na praia de Mauá, posteriormente Guia de Pacobaíba, num cais que foi uma grande obra de engenharia para a sua época, e que avançava cerca de 150 m na Baía de Guanabara, especialmente construído para receber passageiros e cargas por via marítima da Cidade do Rio de Janeiro (a distância percorrida por mar até Mauá era de 11.2 milhas marítimas, o que corresponde a 20.74 km). Daí seria feito o transbordo do vapor para o trem, iniciando-se o percurso nos 14.5 km da estrada de ferro até Fragoso.

Na época, o horário e a tabela de frete foi deferido de acordo com a publicação no Jornal do Comércio de 30 de abril. Em 16 de dezembro de 1856, a linha foi estendida de Fragoso até a Raiz da Serra de Petrópolis, mais tarde Vila Inhomirim (km 16,32), com a construção de 1.82 km de linha, totalizando 16.32 km de comprimento total. O Porto de Mauá está a 2.2 m acima do nível do mar e a Estação de Vila Inhomirim a 31,1 m, sendo portanto a diferença de nível entre os dois pontos de 23.5 m. Para termos idéia, o capital empregado na construção da estrada, incluindo estações e material rodante, foi da ordem de 1.845 contos, o que resulta em quase 114 contos/km, valor considerado muito alto para a época, considerando-se a facilidade da construção.

A frota de material rodante da Estrada de Ferro Mauá era composta por um trem imperial, três carros de primeira classe, dois de segunda e um de terceira classe, além de 70 vagões de tipos diversos. Logo nos primeiros tempos, a ferrovia apresentou grandes resultados em sua arrecadação. Em 1855, transportou 658.600 passageiros e 3.680.000 arrobas de produtos agrícolas, das quais 2.200.000 arrobas de café. Em 1860, a receita atingiu 11% do capital empregado. Basicamente até o ano de 1867, a Estrada de Ferro Mauá obteve lucros, e apenas após a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II e da Rodovia União Indústria registrou-se um progressivo declínio nas suas atividades, em conseqüência da transferência de cargas para os novos concorrentes.

A partir de 1869, os altos custos financeiros dos inúmeros empréstimos que Mauá fez, diante da situação precária em que a ferrovia se encontrava, levou o governo imperial a aprovar, em 4 de junho de 1883, o contrato de venda de todo o material, linhas, estações e demais à Companhia Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará, à qual transferiu todos os direitos da E. F. Mauá.

Por escritura pública de 18 de maio de 1883, lavrada em notas do tabelião Catanheda, a “Companhia Estrada de Ferro Príncipe do Grão Pará” fez aquisição dos ativo e passivo da “Imperial Companhia de Navegação e Estrada de Ferro de Petrópolis”, transferindo para si os privilégios, a linha férrea e o material rodante, e, através do Decreto n° 9029, de 29 de setembro de 1883, foi efetivada a referida incorporação. Nesta situação, a tradicional Estrada de Ferro Mauá perdeu o seu nome.


A locomotiva número 7, com as iniciais da estrada de ferro Príncipe do Grão-Pará, subia a serra do Rio a Petrópolis utilizando um sistema de cremalheiras. Tratava-se de uma locomotiva com uma roda central dentada, fabricada nos Estados Unidos, provavelmente em 1889. - Foto: A Formação das Estradas de Ferro do Rio de Janeiro

Em 17 de outubro de 1888, o ativo e o passivo da E.F. Príncipe do Grão Pará foi adquirido pela The Rio de Janeiro Northern Railvvay Company, que introduziu vários melhoramentos no serviço. Em 14 de janeiro de 1898, a The Leopoldina Railway Company adquiriu a The Rio de Janeiro Northern Railway Company, efetuando algumas modificações na linha. Com o novo porto do Rio de Janeiro e a nova estação Barão de Mauá, inaugurados em 1926 a conexão das barcas foi desativada e a estação de Guia de Pacobaíba serviu apenas como simples embarque de trem local.


No porto da Estrela, o povo desembarcava das barcas e embarcava no trem que parava alguns metros na frente, em Guia de Pacobaíba, Mauá, na época,e seguia para a serra de Petrópolis. Em 1926, a construção da linha entre o Rio de Janeiro e Magé acabou com a festa. O porto foi abandonado e o cais virou ferrugem.
Foto: Reprodução da Internet

De propriedade da União Federal, na comemoração de seu centenário, a estrada foi considerada “Monumento Histórico Nacional”, através do Decreto n° 35.447-A, de 30 de abril de 1954, do então presidente da República Getúlio Vargas, e tombada pela Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, sob o n° 506-T-54, em 07 de maio de 1954. Em 1957, a Ferrovia passou a fazer parte do Patrimônio da RFFSA, e na data de 19 de novembro de 1962 teve o tráfego suspenso no trecho Guia de Pacobaíba e Bongaba.

Em 1974, a Estação de Guia de Pacobaíba e a Casa do Agente foram restaurados instalando-se no local um Museu Ferroviário, que foi fechado em 1977 por motivo de segurança, tendo sido seu acervo recolhido. A operação ferroviária do sub-trecho Bongaba a Piabetá foi suspensa pela Divisão Especial dos Subúrbios do Grande Rio, da RFFSA, em 1982. Em 17 de dezembro de 1999, a RFFSA entrou em liquidação, e infelizmente não há mais controle sob este Patrimônio, que já sofre invasões e grande processo de deterioração. Conforme o Artigo 19 do Decreto-Lei n° 25 da SPHAN, de 30 de novembro de 1937, cabe ao atual IPHAN a sua proteção.


Estação de Guia de Pacobaíba, ainda com trilhos.
É a primeira Estação Ferroviária do País.
Foto: Reprodução da internet
O nome Mauá é de origem indígena, significa lugar elevado, referindo-se provavelmente ao morro onde está a igreja, sobre o qual se tem uma visão ampla da Baía da Guanabara e de um rio que corria nas proximidades. Município com aproximadamente 200 mil habitantes e detentora de uma área de 387 km² Magé tem como principais atividades econômicas a indústria, o comércio e a agropecuária, não se incluindo aí, infelizmente, o turismo histórico. Parte importante da história do Brasil passou por Magé.




A Estrada Normal da Serra da Estrela

Banido ao ostracismo por força do progresso, um caminho sinuoso, em paralelepípedo, que se estende por 12 quilômetros de história e belas paisagens da serra de Petrópolis é conhecido e apreciado por poucos.


A estrada Velha da Estrela (também chamada de Estrada Normal da Serra da Estrela) - aberta em 1840 com a honrosa função de facilitar o acesso da Família Imperial até o alto da serra - serve hoje praticamente apenas como opção de quem quer fugir de engarrafamentos na BR-040 (Rio-Petrópolis). O trajeto, aberto por colonos germânicos, começa em Raiz da Serra e percorre a Serra da Estrela até Petrópolis, revelando paisagens com ângulos inusitados, como a que descortina a Baía de Guanabara e a Baixada Fluminense.


Em 1841, antes de iniciar as obras de construção de Petrópolis, D. Pedro II encarregou o engenheiro alemão Júlio Frederico Koeler de construir a Estrada Normal da Serra da Estrela. Esta estrada tornaria possível o acesso de carruagens à Fazenda do Córrego Seco, uma vez que o Caminho Novo era apenas para tropas de mulas. A estrada, que tem trechos transitáveis até hoje, tornou-se o principal elo de ligação para chegar às Minas Gerais e tinha grande importância econômica. Naquela época, era preciso seguir de barco até Porto Mauá, depois por estrada precária até Raiz da Serra e, então, ir pela nova estrada, num percurso de 14 km até Petrópolis.



A estação de Meio da Serra, por volta de 1900.
As locomotivas Baldwin já ostentam as iniciais "L. R.", da Leopoldina Railway inglesa, formada em 1897.
Os desvios para baixo, no plano, encaminhavam-se para a fábrica de tecidos 'Cometa"
Foto: Acervo Marcelo Lordeiro

Mas desse passado histórico restam apenas as vistas panorâmicas e a mata exuberante. O caminho, que faz parte da Estrada Real (liga o Rio a Minas Gerais), se tornou, apesar do potencial turístico, alvo de favelização, principalmente na localidade de Meio da Serra, onde, até a década de 50, funcionou a fábrica de tecidos Cometa. A vila operária, que servia às famílias dos funcionários, se transformou em área de construções irregulares. A comunidade se expandiu tanto que hoje chega a ocupar o leito da histórica estrada de ferro Príncipe do Grão-Pará - a primeira ferrovia do Brasil - construída em 1854, ligando Raiz da Serra a Petrópolis e que servia de meio de transporte para a Família Imperial.

De olho nesse potencial turístico inexplorado, a prefeitura de Petrópolis sonha em concretizar uma parceria com o município de Magé e o governo do estado para reativar a ferrovia, por meio de uma obra estimada em R$70 milhões. Com isso, a Estrada Velha da Estrela teria também resgatado seu potencial turístico. 


Viaduto da Grota Funda - Foto: Site Linha Auxiliar
O projeto incluiria a estrada, que passaria pelo processo de revitalização que tanto merece. O projeto de revitalização inclui a retirada de 250 imóveis das margens da estrada e do leito da ferrovia, o que seria feito em conjunto pelas prefeituras de Magé (por onde passam cerca de cinco quilômetros da estrada) e Petrópolis. Pela parceria, Magé ficaria encarregada de realocar cem famílias e Petrópolis, outras 150. Ao estado caberia a função de construir a nova ferrovia.



Estrada Normal da Serra da Estrela - Foto: Reprodução da internet

Enquanto os ventos da revitalização não sopram em direção à Estrada Velha da Estrela, ainda assim vale conhecer esse caminho alternativo à Petrópolis. A cada curva, é possível admirar uma bela paisagem, mesmo com tantas construções irregulares e a ausência de mirantes. Uma curiosidade é o fato de a estrada começar a 50 metros acima do nível no mar (na altura de Vila Inhomirim) e atingir 830 metros de altitude a menos de 11 quilômetros adiante, o que dá ideia de como é íngreme. O calçamento em paralelepípedo dá um ar bucólico à via, cortada por riachos, nascentes, pequenas cachoeiras e uma gruta. 

Na altura do Meio da Serra, é possível percorrer as ruínas da fábrica Cometa, que ainda preserva as chaminés. A cinco minutos de caminhada do complexo fica a cachoeira das Pedras Gêmeas. A má notícia é que suas águas já são poluídas... Numa das curvas, uma velha casa, quase em ruínas, também faz parte do roteiro turístico, embora sem comprovação histórica: a Princesa Isabel teria pernoitado no imóvel algumas vezes a caminho de Petrópolis. Hoje, a casa é ocupada pela quarta geração de uma mesma família.


Transporte por ônibus na travessia da Serra de Estrela


Com o tempo, foram criadas as linhas de ônibus urbanos, ligando bairros de Duque de Caxias e Magé a Petrópolis. A Auto Viação Estrela foi a primeira  a operar linhas pela via. em meados dos anos 70 a empresa deu lugar à Luxor.


A Luxor, grande empresa que operava em diversas regiões da Baixada, foi a mais duradoura e lembrada operadora deste setor, encerrando suas atividades com o mesmo. Durante um período de crises administrativas, chegou a repassá-lo para sua coligada Anatur, retomadas com o fim desta.





Mesmo após a crise, a Luxor manteve a operação no setor Petrópolis, foi quando adquiriu e chegaram a adquirir os modelos Volare e Fratello da encarroçadora Marcopolo, os famosos dos Luxinhos.



Com o fim da Luxor, as linhas da Serra da Estrela são operadas muito rapidamente pela Reginas, que as revende para a Machado. Como curiosidade, vale destacar que ela operava os itinerários com os ônibus dela e alguns outros com as cores e a numeração da Luxor. 




No fim de 2005, a Transturismo Rei Ltda. (Trel), que já havia recomprado muitas linhas da Luxor, arrematou o setor serrano.




A Serra da Estrela e as Rodoivas Rio-Petrópolis

A construção da Avenida Automóvel Clube deveria seguir "da Penha a Meriti (atual Caxias), em vez da estrada Benfica a Pavuna, por ser mais curto e evitar os pântanos", providenciando até o alargamento daquela estrada e sua “macadamização”.


Inauguração em 1926 da Estrada Automóvel Clube, 1ª Estrada Rio-Petrópolis

Entretanto o primitivo projeto do Automóvel Clube, (o qual foi construído), seguia pela Pavuna, São João de Meriti, Fazenda de São Bento, Pilar, prosseguindo quase em linha reta até Santa Cruz (da Serra). 
A estrada a partir daí, contornando “uma montanha”, atravessava solos secos e "grande quantidade de fazendas, outrora opulentas: Santa Cruz, da Taquara, da Tocaia e do Fragoso.

Da Raiz da Serra até a cidade de Petrópolis a estrada do Automóvel Clube segue a via da Estrada Normal da Serra da Estrela, ladeando a linha da Leopoldina Railway.

Estrada de Ferro Mauá x Estrada Velha de Estrela

Pelos idos de 1926, o presidente da República, Washington Luís, declarava à Nação que "governar é construir estradas", num país que já tinha, na época, 93.682 automóveis e 38.075 caminhões.

Avenida Automóvel Clube


O Rio de Janeiro (Distrito Federal na época) e o estado do Rio de Janeiro somavam 13.252 automóveis e 5.452 caminhões. O lema do Presidente se materializou em 25 de agosto de 1928, com a inauguração da primeira rodovia asfaltada do país, a Rodovia Rio-Petrópolis, segunda ligação entre as duas cidades, passando pelo centro de Duque de Caxias (atual Avenida Presidente Kennedy).


Até então, a ligação entre a capital federal e a cidade imperial era feita pela primeira rodovia, a Estrada Automóvel Clube, um caminho de terra que ficava intransitável em grande parte do ano, que a partir daí caiu em desuso e no esquecimento da população e das autoridades.


Linha 600C Bairro Wona x Central da empresa Transportes Santo Antônio, percorre grande parte da antiga Rio Petrópolis, entre os bairros de São Cristóvao e o Lote XV.

A nova estrada foi construída aproveitando em muito o trajeto feito pelo Automóvel Clube. Este também começava em São Cristóvão, passando por Benfica, seguia por um pequeno trecho da Avenida Suburbana e, depois, pela Rua dos Democráticos e pela Rua Uranos, para daí acompanhar a linha de trem da Leopoldina pelas atuais Ruas Ibiapina, Itabira e Bulhões Marcial até encontrar, e ultrapassar, o Rio Meriti, entrando em Duque de Caxias e seguindo até o Lote XV, onde encontrava com a antiga Avenida Automóvel Clube, seguindo por ela até Petrópolis, sem entrar em Santa Cruz da Serra, agora ela seguia reto e subia a serra a partir de Xerém.



Variante Rio-Petrópolis

Em 1950 é inaugurada a Variante Rio-Petrópolis, construída em linha reta, o que torna 4km a menos de extensão do seu início no trevo das Missões até o encontro com a Antiga Rio-Petrópolis no Pilar.


Terminal Rodoviário Mariano Procópio (Praça Mauá) - 1950

Nos anos 50, mais precisamente no dia 6 de janeiro, inaugurou-se a Rodovia do Contorno (nova pista, só de descida da serra), em conjunto com a variante Rio-Petrópolis, a terceira estrada, que passa fora do centro de Duque de Caxias, depois chamada Rodovia Washington Luiz (parte da atual BR 040, que liga o Rio de Janeiro a Juiz de Fora), e abandonou-se também a segunda Rio-Petrópolis (atual Avenida Governador Leonel de Moura Brizola). Essa terceira rodovia foi inaugurada pelo General Eurico Gaspar Dutra.



Referências Bibliográficas


Jornal O Dia, Jornal Milênio Vip, Instituto Histórico de Petrópolis, Instituto Baía de Guanabara, A Formação das Estradas de Ferro do Rio de Janeiro, Ônibus Brasil, Petrópolis no Século XX, Teresópolis Bus, Relatos de Viagem Etc, Magé Turismo, Família Espeschit, Estradas de Ferro, O Globo, Guia de Pacobaiba, Panoramio, Cia de Ônibus.

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